Pudera eu...

(João Morgado)

   Pudera eu, não me sentir tão confuso quando no peito se sente ser-se enamorado e duma forma tão incongruente ver-se naufragado, por tantas perplexidades e não menos certezas destoantes, queria eu, saber do teu sorriso quando teu olhar é distante.
   Pudera eu conhecer, essa demência singular, que pelos aromas da vivencia, extravasava de ti, quando me procuravas à noite e te enleavas, numa teia melosa de palavras e te mostravas disponível para mergulhar nos perfumes nacarados dum amor incompreendido, quando o que querias era, que eu me demorasse no entusiasmo da tua boca quente.
Que sei eu, do eu por ti sentido, desse fogo desmedido?
   Pudera eu, saber dos segredos que as tuas mãos escondem, por detrás dos afagos mais ousados e dos mais tímidos e dessa fome e sede, de amor, ou das juras que nem me professavas, de tantos silêncios que pulsavam entre as gotas salgadas das lágrimas que nos separavam. Que sei eu dos teus sinais cavados na pele pelo tempo?
   Pudera eu, tirar estas dúvidas, amargas, em que nos consumimos, nada sei das bambinelas com as quais tantas vezes encobríamos a ternura que os teus olhos pareciam querer trespassar e das quais o meu ego se tem alimentado.
Que sei eu dos teus silêncios quando falavas?
   Pudera eu, conhecer na tua essência, o porquê desse palpitar, desgovernado, que o teu coração sentia…e dessas névoas de apatia em que então te deixavas rodear, talvez, em busca de um bálsamo, que não encontras.
Que sabes tu, desta ferida que me angústia o peito, remendada de saudade?
   Pudera eu, desvendar a razão dos teus constrangimentos, das tuas ondas agitadas, ou das flamejantes madrugadas, que, também, disputam esse rasgar da polpa sedosa dos teus dedos… na ânsia de novas emoções.
E que sei eu dos secretos sombrios espaços ocultos do teu corpo?
   Pudera eu, ajudar-te a desenvencilhares-te dos nós que vais tentando desatar a medo, quando as madrugadas irrompem furiosamente pelas frinchas da tua alma e te acendem, no olhar, o rastilho do desejo.
Que sei eu dos desejos duma mulher? Que sei eu…
   Pudera eu, conhecer o que para além de tudo o que dizias, de tantas coisas que não falavas, de tudo o que me davas, de tudo o que me negavas, de tudo o que eu ganhava ou perdia e tu que perdias quando pretendias moldar-me aos teus desejos?
Que sei eu das tuas palavras imensas, intensas quando calas?
   Pudera eu, saber de ti, para além do que sei que não sou contigo, para além do que sei que não és comigo, que sei eu de ti, sei nada…sei que já não somos!

Os teus beijos mais incendiados, eram loucos,
Porque sabiam a sonhos p’la noite além.
Na altura, nem me pareciam poucos,
Quando os tinha…nem ligava, se sabiam bem.

Amavas-me e eu nem percebia então o feito,
Eram tantos os mimos, desejos, perspectivas,
Hoje eu sei, que o amor, brotava desse peito
E eu teimoso, só pensava nas palavras ofensivas

Hoje que queria se reacendesse aquele fogo
Porque não o tendo, reconheço agora e o rogo
Se for possível aos Deuses se voltarem p’ra nós,

Aceito-te tal qual és, mesmo com esse ciúme
Que viver assim, nesta agonia perco o aprume
Nem eu, nem tu, estamos bem, assim tão sós!

É que essas mãos quentes, brancas e puras,
Mãos de fada, de destreza, mãos queridas...
Sonhos que eu troquei, por razões tão subvertidas
Se em cada gesto tinham impulsos de ternuras.

E esse olhar tão doce... olhar tão afectuoso
Fui louco, eu sei-o agora, mas volto atrás…
Repensei tudo aquilo que quero ou me apraz
Agora enxergo, p’las amarguras, quão era ditoso.

Estúpido, a pensar em duas, se era tão evidente
Uma eu tinha nos meus braços, e me adorava
E a outra, uma miragem que apenas me turvava

Foi preciso sentir o amargo da falta dessa boca,
pra reconhecer que assim a minha vida é louca
Sem ti… sem nós…será que ainda sou gente?

Sinto que não é tarde e voltar pode ser loucura
Mas, minha querida, tudo é remissível enquanto dura
E entende, que dizer: Amar assim, não é pecado!
Pecado é amar-te e não te ter, por andar obcecado.

Todos os sonhos que fabriquei alguma vez
Se tinham a tua sombra, na minha pequenez
Eram grandes na dimensão do espaço sideral
Pelas definhadas considerações do meu parietal.